No combate à escassez de habitação acessível e à crescente necessidade de soluções sustentáveis, surge uma ideia inspiradora que redefine o significado de reciclagem no setor das energias renováveis. A Blade-Made, uma empresa neerlandesa transformou uma antiga turbina eólica numa microcasa apelidada de “Nestle”, mostrando como a arquitetura circular pode dar resposta simultânea a dois problemas globais, a habitação e o fim de vida de infraestruturas eólicas.
Quando se fala em reciclagem de infraestruturas eólicas, muitos de nós apenas pensamos: o que vai acontecer às pás eólicas gigantes dos parques eólicos?
Quando as turbinas eólicas chegam ao fim da sua vida útil, perde-se muito material. Mas, para além das pás existem outros componentes como a nacele que também necessitam de opções sustentáveis para o fim do seu ciclo de vida.
Nestle: a microcasa numa nacele
O inovador projeto “Nestle”, consiste na reutilização da nacele de uma turbina V80 de 2 MW, desativada e com 20 anos, convertida numa microcasa.
A conversão foi concretizada em outubro de 2024, sob a orientação do arquiteto Jos de Krieger, da empresa Superuse, após a doação da infraestrutura eólica pela Business of Wind, uma empresa holandesa que compra turbinas usadas para reutilização.
Por fora, esta “tiny house“ mantém a forma icónica de uma turbina eólica, mas por dentro esconde um interior acolhedor e funcional com cozinha, casa de banho e uma estrutura inteligente que minimiza a necessidade de canalização e fios elétricos. Funciona de forma quase autónoma: com quatro painéis solares no tejadilho, um sistema de aquecimento solar, bomba de calor, isolamento térmico eficiente, janelas duplas e uma estrutura flexível para múltiplos usos: habitação, escritório móvel ou espaço de exposição.
Esta iniciativa para além de oferecer uma solução para um problema social, a falta de habitação acessível, é um exemplo de economia circular e inovação em arquitetura sustentável: “tudo o que é construído, tudo o que vemos à nossa volta, tem um fim de vida”. É nesse ponto que projetos como o “Nestle” mostram uma alternativa prática e criativa aos aterros ou à incineração de estruturas obsoletas.
O arquiteto Jos de Krieger refere ainda que existem milhares de nacelas espalhadas pelo mundo, o que torna este modelo não só replicável, mas também pode servir de inspiração para criar soluções similares, como coberturas para carros (carports), abrigos agrícolas ou micro-escritórios.
Reciclabilidade dos componentes eólicos
À medida que o número de instalações e o tamanho das turbinas continuam a aumentar, o apelo à circularidade eólica torna-se cada vez mais importante.
Aumentar a reciclabilidade dos componentes eólicos está no topo da agenda de diversas empresas do setor, que procuram soluções sustentáveis para o fim do seu ciclo de vida, potenciando ainda mais os benefícios ambientais proporcionados por esta fonte de energia renovável.
Estima-se que entre 2025 e 2031, Portugal terá uma grande parte dos seus ativos eólicos a atingir o seu fim de vida útil. Em média, podem ser desativadas, cerca de 266 turbinas por ano.
O depósito em aterros e a incineração continuam a ser as soluções mais utilizadas, apesar de serem altamente prejudiciais para o ambiente. Mas, existem exemplos notáveis de compromisso com a inovação e com a sustentabilidade no setor eólico.
A microcasa “Nestle” está atualmente a ser estudada pela Vattenfall para futuras utilizações.
Este tipo de projetos mostra que a transição energética não se faz apenas com novas fontes de energia renovável, mas também com a capacidade de repensar e reinventar o destino de equipamentos que já cumpriram a sua missão.
No fundo, trata-se de transformar o que parecia ser o fim de um ciclo — uma turbina eólica desativada — no início de uma nova resposta às necessidades das pessoas e do planeta.
É surpreendente pensar que o final do ciclo de vida de uma turbina eólica possa marcar o início de algo tão significativo e inovador.
Fontes: blade-made; superuse-studios